quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Carta pra Vilma.



Catinho do Sudeste, 26 de março de 1997

É, Vilma, eu estive mal por esses dias e ainda estou confuso, não sei se foi a pneumunia ou se foi a Júlia, que me deixou . Tá, eu sei que você acha que eu não presto e que sou um canalha, mas eu nunca a traí, eu juro. E agora ela foi embora sem aviso prévio e ainda levou meu melhor travesseiro, achei isso a maior das sacanagens, já perdi as contas de quantas vezes babei nele, de quantas vezes a minha mão se embolou entre ele e os cabelos dela.

Ah Vilma, se a Júlia soubesse que foi naquele travesseiro que planejei o Toninho ou a Olivia, e até a nossa casinha lá em cantinho do sul "uai", ela ficava tão fofa imitando os caipiras. Diz pra mim que ela tá aí, diz! Passei o dia todo pensando em aonde eu iria se fosse ela e nada, nada! Ei, se eu não consigo imaginar aonde ela iria, será que eu a conhecia mesmo? Agora já não sei mais, nesses dois anos acho que nunca perguntei quais os lugares que a traziam mais paz, ou será que foi ela que nunca me disse? E sabe qual é o pior nesta história toda? É que eu não consigo dormir e não é por causa dela é porque eu não consigo dormir com travesseiros baixos e ela sabia disso, desgraçada. Agora estou com raiva dela e saudade do travesseiro.

Vilma, se ela estiver por aí, avisa que o Nogueirinha tá com saudade e um puta torcicolo, vai?
Agora tenho de ir, farei uma visita ao médico, estão dizendo que esse negócio de pneumunia é sério.

Um beijo, Vilma.

Seu Genro,

Nogueira.

sábado, 12 de dezembro de 2009

"Sobre fotografia"


Quero pra mim o presente,
guardá-lo pro caso de qualquer fuga de minha memória.
Catalogá-lo em sequência, tomar posse de cada expressão, tornar os segundos eternos mesmo que sejam feitos de sentimentos tão efémeros.

Quero, como um caçador, acertar o momento, acertar o passo, sem quebrar o galho e espantar a caça, me sentir camuflado, ser estranho mas fazer parte. Quero a melhor luz, o melhor foco, a melhor face da dor, não quero ser tão imparcial assim, quero tudo do meu ponto de vista.

sábado, 7 de novembro de 2009

Ao atrasar o Relógio ; Um perder de hora



Um trecho do Filme que não dá pra não ver
Uma Lágrima longa que não dá pra esconder
Um Diário de bordo
Uma Carta de despedida
Um Lenço branco
Acenado na Partida

De hora em hora um Avião que decola
De hora em hora um Barco que corta a corda
E se afasta do Cais
Talvez só por Hoje
Talvez por Nunca mais

Os Desertos são só os descansos de Deus
E a solidão de Nós é só propósito seu
E logo Eu, que não coleciono os meus Pecados,
Tenho a ligeira Impressão de que Deus
Descansou de Mim

De hora em hora um Barco que corta a corda
De hora em hora uma nova Escala decola
E se afasta Demais
Não só por Hoje
E Eu temo o Nunca mais.

''Acho que Deus descansava quando me deixou deixá-la de lado.
E logo Eu, que não coleciono os meus Pecados, tenho a ligeira impressão de que Deus descansou de Mim."

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Pela Pele.


A primeira vez que a vi foi em uma festa.

Reparei, quase que instantaneamente, na tatuagem que tinha nas
costas e na trança nos cabelos.
Claro que antes já havia reparado no vestido e nas pernas, não
necessariamente nessa ordem. E então constatei que Homens amam
com os olhos.
Depois disso, fomos apresentados, bebemos alguma coisa e
trocamos algumas palavras. Acho que Ela se sentiu bem, afinal, não é
todo Homem que percebe que Mulheres amam com os ouvidos.

Arriscamos até uma dança, uma mão na cintura e os corpos
timidamente juntos. Acho que por um descuido Ela respirou um pouco
mais fundo perto do meu ouvido e quase que impulsivamente firmei
meus braços e nossos corpos já não se encostavam com tanta
timidez.
A partir de agora, meus pensamentos sobre Ela iam um pouco além
do que o meu pudor e o meu respeito pela Moça que acabará de
conhecer, estavam acostumados.

Pensava em seus cabelos entre os meus dedos enquanto Eu os
puxava e beijava seu pescoço, minha perna entre as suas. E enquanto
isso, as suas unhas eram como os espinhos da rosa tatuada em suas
costas, e desenhavam em minhas costas todo um sentimento de
tesão e desejo. E quem, há alguns minutos, dizia que não gostava da
barba mal feita, agora gemia baixo enquanto eu mordia sua orelha e
minha barba arranhava, de leve, seu rosto, minhas pernas entre as
suas. E enquanto isso, Ela contraia todo o corpo já suado, e cada
gemido era um poesia sobre sexo.

Ficamos abraçados por um tempo, e quando voltei a mim já não havia mais música e as luzes já estavam acesas.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Vendas em alto relevo.

Quando foi que apagaram as luzes
E descolaram-se as retinas?
E pro seu filho que nasce daqui a vinte dias
O que você vai dizer quando ele perguntar
Qual é a cor do dia lá fora, agora?
Qual é a cor do dia, Mãe?
Você escolhe o tato do enxoval
E o Azul é por conta do costume.
Você vai ensiná-lo a não largar os brinquedos espalhados
E quando ele crescer vai lembrá-lo de nunca mudar os móveis de lugar.
Pois você já gravou todos os caminhos da casa.
Dói, e ainda mais pra você, Mulher, que não nasceu cega,
que já sentiu o brilho de todas as cores.
E falando em cores, não sei se por ironia,
já te contaram que seu filho virou pintor, Moça?
Ouvi dizer que na última tela ele pintou um teatro,
com expressões de paz e todos os atores estão vendados.
Assim como você.
O teatro tem o brilho de todas as cores
e elas fazem questão de estar em alto relevo
pra que você possa tocar, fazer parte do espetáculo
e se tornar a cor chave,
de um Teatro de Tintas.

sábado, 19 de setembro de 2009

Na parede da minha sala, uma face talhada.

São tantas coisas
que separam o viver do existir,
o som estranho da lira
e o medo de se iludir.
Na madeira, talhada,
a face moldada por um artesão,
a barba falhada e a mão por entre os panos
no coração

É como se tudo terminasse ali,
por baixo dos panos,
É como se a vida começasse aqui
quando eu te chamo.

Vem ver de perto até aonde os olhos podem ir
e mostra pra eles
tudo o que eu te ensinei a fingir.
Vem e fingi as lágrimas da paixão,
traz certo ou ao avesso
o seu coração.

As cordas da harpa são tantas
que um dia ainda vão te confundir
os caminhos dos rios são tortos
e essa água nada lava da alma.
O jeito mais sem jeito de rir, a maneira mais dolorosa de ir.

E como se tudo não passasse de um sonho,
de medo do escuro ao amor mais estranho.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Era de criança.

Como na idade em que, sentado, seus pés não tocavam o chão.
Quando tudo parecia gigante diante de você.
Vai dizer que não se sente leve ao lembrar?
E nas vezes em que errava o laço do cadarço?
Era engracado.
Acho que o que mais faz falta são os olhares.
Era de um brilho tão intenso.
Preste atenção em uma criança na rua
quando ela se depara com algo repleto de cores
como seus olhos brilham de curiosidade e encanto.
E os "por quês" intermináveis ?
Pra tudo havia de ter um porque.
E os "por quês" são infinitos até a hora em que alguém sai do sério,
ou que os "por quês" começam a ficar um tanto sérios.
E pra onde vai a inocência?
Ela vai aos poucos e não se tem muito o que explicar.
E depois de um tempo nos arrependemos do tanto
que sonhamos em sermos "grandes".

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Um Reino Só.

Quando me vejo sozinho sempre me pergunto, quase afirmando, se ainda há algum lugar no mundo que não seja de niguém; pra que eu possa, por mim mesmo, navegar, descobrir e enfim ser Coroado Rei. E mesmo que lá não haja povo, não haja platéia ou escudeiro fiel e mesmo que o meu sangue não seja nobre, eu vou fazer de cada olhar uma ordem e não vou aceitar nenhuma falta de respeito do horizonte, "ai" dele se tentar me convencer de que eu deveria voltar pras terras de outro alguém e voltar a ser bobo da corte sem chances de promoção.

Sendo assim, prefiro ser Rei e Povo, mandar e obedecer só o que me convém.